No passado dia 23 de Abril, na sequência da pandemia decorrente do novo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença Covid-19, a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) publicou “Orientações – Sobre recolha de dados de saúde dos trabalhadores. Estas orientações visam adequar as medidas que as entidades empregadoras têm adotado com o objetivo de prevenir o contágio entre os trabalhadores, nomeadamente a recolha de dados de temperatura corporal dos trabalhadores.

Em suma, a CNPD partindo do facto que os dados ora em causa são sensíveis nos termos do Regulamento Geral Sobre a Proteção de Dados (RGPD), por serem reveladores de aspetos da vida privada do trabalhador, conclui, face ao regime especialmente reforçado de proteção deste tipo de dados, que a entidade empregadora “não conhece, nem pode diretamente recolher ou registar, dados de saúde dos trabalhadores”.

Todavia, somos da opinião de que as orientações da CNPD ou são erradas ou não são suficientemente esclarecedoras quanto aos moldes em que aquela recolha pode ou não ser realizada e em que medida o RGPD será aplicável. Não podemos deixar de manifestar a nossa surpresa face à ligeireza com que  tal afirmação é feita no contexto de uma pandemia que tantas vítimas tem feito e infelizmente ainda irá fazer.

O Regulamento Europeu de proteção de dados não será aplicável à recolha de temperatura corporal dos trabalhadores se esta servir apenas para condicionar o acesso ao local de trabalho e os dados obtidos não forem de nenhum modo registados para utilização futura.

Sendo verdade que nos termos dos números 1 e 2 do artigo 4º do RGPD a simples recolha dos dados se traduz numa forma de tratamento, que como tal será regulada pelo RGPD, a verdade é que estas disposições têm de ser conjugadas com o artigo 2º do RGPD (“Âmbito de aplicação material”), que estabelece no seu nº 1 que as suas disposições apenas se aplicam “ao tratamento de dados pessoais por meios total ou parcialmente automatizados, bem como ao tratamento por meios não automatizados de dados pessoais contidos em ficheiros ou a eles destinados”.

Nestes termos cumpre esclarecer que, como referimos anteriormente, se a recolha da temperatura corporal dos trabalhadores servir exclusivamente para condicionar o acesso ao local de trabalho e for garantido que esses dados não serão de nenhuma forma registados de modo a que mais tarde se possa identificar o respetivo titular, o RGPD não será aplicável.

Os moldes em que a entidade empregadora terá legitimidade para exigir a realização desses testes e quais as consequências em caso de recusa por parte do trabalhador, devem ser corretamente enquadrados à luz do Direito do Trabalho, sendo de referir que o Governo já admitiu que irá clarificada esta questão por via legislativa.