Com mais de 2 anos de atraso sobre a data-limite para transposição das Diretivas (UE) 2019/789 e 2019/790 – relativas ao exercício dos direitos de autor e direitos conexos no Mercado Único Digital e em transmissões em linha dos organismos de radiodifusão, na retransmissão de programas de televisão e de rádio – foram finalmente publicados em Diário da República os Decretos-lei.º 46/2023 e o Decreto-Lei n.º 47/2023, responsáveis pela transposição das referidas Diretivas para a Ordem Nacional.
Aprovadas em 17 de abril de 2019, as diretivas deveriam ter sido transporta para a legislação de cada Estado-membro até 07 de junho de 2021. A 26 de julho de 2021, a Comissão Europeia abriu procedimentos de infração contra Portugal e 22 outros países da União Europeia (UE), por não terem comunicado como transpuseram a nova legislação comunitária sobre direitos de autor ou apenas o terem feito parcialmente.
Porém, após longo debate nacional, a 16 de março, o Presidente da República promulgou o decreto da Assembleia da República que autorizava o Governo a legislar sobre direito de autor e direitos conexos no mercado único digital, transpondo a respetiva diretiva europeia.
No que diz respeito ao Decreto-Lei n.º 47/2023, 19 de Junho, que transpôs para ordem jurídica nacional a Diretiva (UE) 2019/790, relativa aos direitos de autor e direitos conexos no mercado único digital, é seguro afirmar que estamos diante uma das reformas legislativa mais significantes nas últimas décadas no que ao regime de proteção de direitos de autor e direitos conexos diz respeito.
O seu principal objetivo passa pela modernização do regime em matérias de autor, criando instrumentos jurídicos necessários para os titulares de direitos, no seio de um clima preponderantemente digital e tecnológico, poderem ver os seus direitos acautelados tendo em conta a evolução tecnológica e os novos canais de distribuição de conteúdo protegido. De tal modo que, causou celeuma mediática logo com o seu aparecimento, devido aos seus artigos 11.º e 13.º (entretanto alterados para, respetivamente, 15.º e 17.º), que anunciavam fatidicamente o fim da internet tal como a conhecemos, enquanto espaço e canal de liberdade e criação para os seus utilizadores.
Com efeito, no âmbito deste Decreto-lei n.º 47/2023, que transpõe a Diretiva (UE) 2019/790, este veio introduzir alterações significativas ao Código do Direito de Autor e Direitos Conexos (Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de março), nomeadamente:
I. O abandono do regime do Safe Harbour introduzido pela Diretiva do Comércio Eletrónico (Directiva 2000/31/CE) através do qual os prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha (g. ‘YouTube’) não podem ser responsabilizados por conta de conteúdos audiovisuais carregados pelos seus utilizadores.
- De acordo com o novo regime, sempre que os prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha oferecem ao público o acesso a obras ou outro material protegido por direitos de autor carregados pelos seus utilizadores através dos seus serviços, aqueles estão legalmente a executar um acto de comunicação ao público ou de colocação à disponibilização do público.
- Nesta medida, é obrigação dos prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha obter uma autorização dos titulares de direitos (por exemplo, através da celebração de um acordo de concessão de licenças, a fim de comunicar ao público ou de colocar à disposição do público obras ou outro material protegido).
- Na hipótese de não existir nenhuma autorização este novo regime legal impõe sobre os prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha a obrigação de demonstrar, sob pena da sua responsabilização, que: (i) Envidaram todos os esforços para obter uma autorização; (ii) Efetuaram, de acordo com elevados padrões de diligência profissional do setor, os melhores esforços para assegurar a indisponibilidade de determinadas obras e outro material protegido relativamente às quais os titulares de direitos forneceram aos prestadores de serviços as informações pertinentes e necessárias e, em todo o caso; (iii) Agiram com diligência, após receção de um aviso suficientemente fundamentado pelos titulares dos direitos, no sentido de bloquear o acesso às obras ou outro material protegido objeto de notificação nos seus sítios Internet, ou de os retirar desses sítios e envidaram os melhores esforços para impedir o seu futuro carregamento, nos termos da alínea b).
II. O Reforço da proteção dos autores e dos artistas, intérpretes ou executantes, no âmbito dos contratos, por eles celebrados, de licenciamento ou transmissão para a exploração das suas obras ou prestações, aplicando-se, para o efeito, o princípio de remuneração adequada e proporcional.
III. Importantes obrigações do dever de transparência que visam assegurar que os autores e artistas intérpretes ou executantes recebem, regularmente — pelo menos, uma vez por ano — e tendo em conta as especificidades de cada setor, informações atualizadas, pertinentes e exaustivas sobre a exploração das suas obras e prestações por parte daqueles a quem foram concedidas licenças ou transferidos os seus direitos, bem como dos seus sucessores legais, nomeadamente no que diz respeito aos modos de exploração, a todas as receitas geradas e à remuneração devida.
IV. As cláusulas que estipulam as obrigações de remuneração equitativa a favor dos autores ou artistas, intérpretes ou executantes têm natureza imperativa.
V. Determinação da obrigação de criação de um mecanismo de revisão contratual através os autores e artistas intérpretes ou executantes ou respetivos representantes têm o direito de reclamar uma remuneração adicional, adequada e justa à parte com quem celebraram um contrato de exploração dos seus direitos, , sempre que a remuneração inicialmente acordada se revele desproporcionadamente baixa relativamente a todas as receitas pertinentes subsequentes decorrentes da exploração das obras ou prestações.
VI. Criação de um novo direito conexo na esfera jurídica dos editores de imprensa, relativamente à utilização das suas publicações em linha por parte dos prestadores de serviços da sociedade de informação, no mundo digital.
VII. Os autores de obras integradas numa publicação de imprensa, no mundo digital, passam a ter direito a uma parte adequada das receitas que os mesmos editores de imprensa recebam pela utilização das suas publicações por prestadores de serviços da sociedade da informação.
VIII. A violação do novo direito conexo constitui crime de usurpação ou contrafação, conforme o caso.
IX. Submissão da resolução de litígios ao instrumento da arbitragem e mediação obrigatória, caso o Autor/interprete assim o entenda.
No que diz respeito ao Decreto-Lei n.º 46/2023, que transpôs a Diretiva (UE) 2019/789, este veio:
I. Definir o regime aplicável aos serviços acessórios em linha, complementares dos serviços de radiodifusão de obras e outros materiais protegidos por direitos de autor e direitos conexos;
II. Regular o exercício dos direitos de autor e direitos conexos na retransmissão de programas de televisão e rádio, estendendo, em parte, o regime de proteção na transmissão por cabo previsto no Decreto-lei n.º 333/97 de 27 de novembro. No âmbito deste regime, destaca-se:
- (i) A necessidade de autorização dos titulares dos direitos de autor e direitos conexos, no exercício do seu direito exclusivo de comunicação ao público, para os atos de retransmissão dos programas de televisão e rádio;
- (ii) Previsão de um regime de gestão colectiva obrigatória desses direitos;
- (iii) Direito dos titulares a uma remuneração adequada pela retransmissão das suas obras e outro material protegido.
III. Definir o regime aplicável aos organismos de radiodifusão que transmitem por injeção direta.
A Santiago Mediano tem vindo a acompanhar este moroso e largamente antecipado processo legislativo e fica à disposição dos seus clientes para prestar todas as informações necessárias e aclarar quaisquer dúvidas sobre esta nova era para a protecção direitos de autor e direitos conexos no contexto digital.
Escrito por Paulo de Jesus Correia e Flávio Tribuna Santos
Recent comments